Governo caça polêmica ao propor subir tributação de empresas do lucro presumido
Por: Fabio Graner
Fonte: Jota Tributario
Apesar de ver pouco espaço para novas elevações de tributos, o governo usou
o projeto de lei complementar da redução de benefícios fiscais para comprar
briga com empresas que aderem ao lucro presumido. No PLP assinado pelo
líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), foi incluída a elevação
em 10% da base de cálculo do IRPJ/CSLL neste regime.
A regra só se aplicará aos percentuais de “presunção incidentes sobre a parcela
da receita bruta total que exceda o valor de R$ 1.200.000,00 no ano-calendário”.
Por exemplo, na prestação de diferentes tipos de serviços, a base de cálculo com
a medida, caso efetivada, subiria de 32% do faturamento da empresa para
35,5%. Sobre essa base maior, serão aplicados o IRPJ e a CSLL. A presunção
de lucro varia conforme a atividade da empresa, e tem como limite o
faturamento anual de R$ 78 milhões.
Renúncia fiscal ou alternativa simplificada de recolhimento?
Diferentemente do Simples, que beneficia micro e pequenas empresas, o lucro
presumido não é tratado formalmente como um incentivo fiscal.
A rigor, ele seria apenas um mecanismo alternativo e bem menos burocrático
para tributação do lucro, especialmente em empresas médias. É bastante
comum no mercado financeiro, em escritórios de advocacia, empresas de
tecnologia da informação, entre uma série de outras.
Como não se trata de uma renúncia fiscal, não há no Demonstrativo de Gastos
Tributários (DGT) divulgado anualmente pelo governo nenhuma estimativa de
perda de arrecadação com a medida. O DGT é a base que norteia a proposta
de cortes de benefícios fiscais formalizada na sexta-feira (29).
Ainda assim, tem havido entre especialistas contestações sobre se as presunções
consideradas atualmente não estariam sendo muito generosas para os
contribuintes, prejudicando o financiamento estatal e a concorrência com as
empresas que são obrigadas a recolher pelo sistema de lucro real.
Interpretações iniciais
O tributarista Breno Vasconcelos, professor do Insper e sócio do Mannrich e
Vasconcelos Advogados, lembra que o limite de receita que permite às
empresas usarem esse sistema mais simplificado vem sendo criticado há alguns
anos, por ser muito alto e acabar, indiretamente, se tornando um benefício
fiscal.
“Aliás, outra crítica está no fato de o lucro presumido acabar sendo um fator
relevante, do ponto de vista tributário, na vantagem da chamada pejotização.
Associado à isenção de dividendos e a não incidência de contribuição
previdenciária patronal, ele fecha a lista de vantagens econômicas da
contratação de uma pessoa jurídica em vez da contratação do mesmo serviço
por um empregado (CLT)”, comentou.
Vasconcelos avalia que essa discussão deveria estar dentro de um contexto de
reforma da tributação da renda, “não com mais essa tentativa de simplesmente
aumentar a receita para garantir o superávit primário”.
Para Daniel Loria, sócio do Loria Advogados e ex-diretor da Secretaria de
Reforma Tributária do Ministério da Fazenda, o governo buscou uma solução
pragmática. “O ideal seria revisitar o regime de tributação, tentando aproximar
a base de cálculo do lucro efetivo da empresa”, disse, destacando que o PLP
182, na prática, pela primeira vez, coloca essa alternativa simplificada como um
gasto tributário.
Eduardo Natal, sócio do escritório Natal & Manssur Advogados e presidente
do Comitê de Transação Tributária da Associação Brasileira da Advocacia
Tributária (ABAT), reforça que o lucro presumido é um “método de apuração
da base de cálculo do Imposto de Renda e não um incentivo fiscal”.
“Como é um regime opcional, não pode ser visto como uma renúncia tributária.
A empresa optante pode, eventualmente, ter vantagem ao apurar seus tributos
por esse regime, mas também pode não ter. Vejo esse projeto de lei como
extremamente perigoso, justamente por essa questão, pois tende a gerar um
contencioso enorme”, salientou.
Bode na sala ou tentativa de fato?
Procurado, o Ministério da Fazenda não se manifestou até o momento sobre o
tema, que não foi abordado na exposição de motivos do PLP, diferentemente
de outro “jabuti” (tema alheio à proposta), que apertou o cerco às bets. A pasta
tampouco informou a estimativa de impacto dessa medida isoladamente. No
total, a proposta de lei complementar tem impacto fiscal de R$ 19,8 bilhões de
aumento na arrecadação.
Um interlocutor do governo disse ao JOTA que a medida é correta porque, na
prática, aumenta a taxação sobre a renda de quem vive de dividendos e está
sendo subtributado no nível das empresas. Essa fonte lembra que as
companhias têm a opção de serem tributadas pela sistemática de lucro real, se
considerarem que o aumento da base de cálculo está elevando muito o imposto
a pagar.
Outra fonte afirma que, em um contexto de criação de imposto mínimo de 10%
sobre super ricos e taxação de dividendos, haverá aumento relevante de carga
tributária para setores que estão pejotizados.
Chances de avanço
Como ainda está muito no início, é difícil dizer se a matéria tem chance de
prosperar. Mas é evidente que o tema será alvo de grande polêmica e é
candidato a ser o “bode na sala” na discussão do corte linear dos gastos
tributários.
Apesar de o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), eleger esse
tema como assunto prioritário, o corte de incentivos terá uma caminhada difícil
no Congresso, como a nota da CNI criticando o aumento de carga tributária
proposto já deixou claro.
Por ora, de qualquer forma, a medida já serviu ao governo para ajudar a fechar
o projeto de lei orçamentária, ganhando tempo para que novas alternativas de
arrecadação possam ser encontradas até o fim do ano, quando a peça será
votada –ou mesmo ano que vem, durante sua execução.